CEDAE CONTINUA COBRANDO
ILEGALMENTE CONSUMO MÍNIMO DE
20m³ x NÚMERO DE ECONOMIAS
A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça - no julgamento da Apelação Cível n. 0114655-70.2006.8.19.0001, Relator o eminente Desembargador Jessé Torres, mais uma vez, condena a cobrança ilegal praticada pela CEDAE que consiste no que se chama CONSUMO MÍNIMO MULTIPLICADO PELO NÚMERO DE ECONOMIAS, isto é, 20m³ x economias.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0114655-70.2006.8.19.0001
Apelante: CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO GRANRIO
Apelada: COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS – CEDAE
Origem: Juízo de Direito da 6ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital
A C Ó R D Ã O
APELAÇÃO. Ordinária. Cobrança do serviço de fornecimento de água de forma progressiva. Legítima a diferenciação resultante da tarifa progressiva, que se coaduna com o princípio da isonomia, pois as diferenças das condições dos usuários justificam valores que lhes correspondam. O consumo medido, e tãosomente ele, é que atrai a progressividade, consoante precedentes. Não é ilícita a cobrança de fornecimento do serviço de água com base na tarifa mínima, desde que obedecidos os limites definidos em lei, fixados com o objetivo tão-só de assegurar a viabilidade econômico-financeira do sistema (verbete 84, da Súmula do TJRJ). Entretanto, no caso, o critério adotado pela CEDAE carece de autorização legal, por isto que está cobrando consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades condominiais (economias, no jargão técnico), quando a medição é feita por um único hidrômetro para o consumo global do Condomínio, o que acarreta o superfaturamento da contraprestação do serviço, subvertendo a finalidade da tarifa mínima.
Sucumbência recíproca. Parcial provimento do recurso.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação n° 0114655-70.2006.8.19.0001, originários do Juízo de Direito da 6ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, em que figuram, como apelante, CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO GRANRIO, e, como apelada, COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUA E ESGOTO CEDAE, os Desembargadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ACORDAM, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 2010.
Des. Jessé Torres
Relator
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO N° 0114655-70.2006.8.19.0001
VOTO
Relatório a fls. 377-378.
O Condomínio do Edifício Granrio pleiteia seja declarada a nulidade da cobrança do fornecimento de água pela tarifa progressiva, ao argumento da inexistência de razões técnicas a justificála, a teor do disposto no art. 13 da Lei n. 8.987/95. O Órgão Especial deste Tribunal acolheu, por maioria, o incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 2004.018.00008, para incluir em sua súmula de jurisprudência dominante o verbete 82 - “É legítima a cobrança de tarifa diferenciada ou progressiva no fornecimento de água, por se tratar de preço público”. Ademais, a cobrança do serviço de fornecimento de água de forma progressiva é legal, porque autorizada pela Lei nº 8.987/95.
Recorde-se, nesse sentido, a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. TAXA DE ÁGUA. COBRANÇA DE TARIFA. PROGRESSIVIDADE. LEGALIDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
1. É lícita a cobrança de taxa de água com base no valor correspondente a faixas de consumo, nos termos da legislação especifica.
2. Inteligência das disposições legais que regulam a fixação tarifária (artigo 4º, da Lei nº 6.528/78 e artigos 11, caput, § 2º e 32 do Decreto nº 82587/78).
3. A Lei 8.987/95 autoriza a cobrança do serviço de fornecimento de água de maneira escalonada (tarifa progressiva), de acordo com o consumo (art. 13), e não colide com o disposto no art. 39, I, do CDC, cuja vedação não tem caráter absoluto. Precedente: EDcl no REsp 625221/RJ, DJ 25.05.2006” (Primeira Turma, AgRg no REsp 815373/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 24.09.2007).
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE ÁGUA. TARIFA PROGRESSIVA. CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. VÍCIOS INEXISTENTES. PRETENSÃO DE OBTER EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE.
1. A Lei nº 8.987/95 autoriza a cobrança do serviço de fornecimento de água de maneira escalonada (tarifa progressiva), de acordo com o consumo (art. 13), e não colide com o disposto no art. 39, I, do CDC, cuja vedação não tem caráter absoluto.
2. No caso, é irrelevante, para a cobrança da tarifa progressiva, o número de unidades existentes no condomínio, porque:
- (I) existe um único hidrômetroauferindo o consumo global de água;
- (II) a tabela progressiva será aplicada proporcionalmente ao consumo total medido, ou seja, quanto maior o consumo, maior a tarifa a ser suportada pelo condomínio, de acordo com o escalonamento preestabelecido (...)” (Primeira Turma, EDcl no REsp 625221/RJ, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ 25.05.2006).
Legítima é a diferenciação resultante da tarifa progressiva, que se coaduna com o princípio da isonomia, pois as diferenças das condições dos usuários justificam valores que lhes correspondam. O consumo medido, e tão-somente ele, é que atrai a progressividade, independentemente de “razões técnicas”.
Quanto ao faturamento do serviço de fornecimento de água com base na tarifa mínima, desde que o consumo seja inferior aos limites definidos para o consumidor residencial (15m²), a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça e neste Tribunal Estadual firmou o entendimento de não ser ilícito, por isto que a tarifa mínima almeja assegurar a viabilidade econômico-financeira do sistema e, assim, garantir a adequada prestação do serviço. Nesse sentido o verbete 84, da Súmula do TJRJ (“É legal a cobrança do valor correspondente ao consumo registrado no medidor, em relação à prestação dos serviços de fornecimento de água e luz, salvo se inferior ao valor da tarifa mínima, cobrada pelo custo de disponibilização do serviço, vedada qualquer outra forma de exação”), sendo certo, ainda, que a Lei n° 11.445/2007 não extinguiu a tarifa mínima, mas a consolidou, consoante se extrai de seu art. 30.
Mas a questão que aqui se coloca é outra. Trata-se de se saber se é lícita a fórmula de cálculo adotada pela Concessionária no faturamento do serviço prestado ao Condomínio autor, ou seja, se o faturamento deve ser realizado segundo o volume aferido por hidrômetro ou com base na multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades autônomas que o integram, como realizado pela CEDAE, consoante se vê do laudo pericial (fls. 310).
Nesse ponto, a razão está com o Condomínio autor. A CEDAE está cobrando o consumo mínimo de cada unidade condominial (economia, no jargão técnico), quando a medição é feita por um único hidrômetro, o que acarreta o superfaturamento da contraprestação do serviço. Tal critério de faturamento, praticado pela Concessionária, é ilícito por carecer de autorização legal; esta prevê tarifa mínima em relação ao Condomínio, não a cada unidade que o integra, no caso perfazendo o total de 91 (fls. 56). Note-se que sequer existe relação jurídica entre as unidades imobiliárias individualmente consideradas e a prestadora do serviço, mas, tão-somente, entre esta e o Condomínio.
Assim agindo, a Concessionária subverte a finalidade da tarifa mínima, que é tão-só a de assegurar a viabilidade econômico-financeira do serviço, e não a de proporcionar-lhe lucro. Não é por outro motivo que o verbete 84, da Súmula deste Tribunal, ressalva, ao final de seu enunciado, a “vedação de qualquer outra forma de exação”.
Revisite-se o precedente nos tribunais superiores:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM ANULAÇÃO DE COBRANÇA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FORNECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO COMERCIAL. TARIFA MÍNIMA. LEGALIDADE (LEI Nº 6.528/78, ART. 4º, LEI Nº 11.445/2007, ART. 30). MULTIPLICAÇÃO DO CONSUMO MÍNIMO PELO NÚMERO DE UNIDADES AUTÔNOMAS (SALAS COMERCIAIS). IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 39, V e X, DO CDC, E 6º, § 1º, DA LEI Nº 8.987/95. RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE. (...)
2. É lícito o faturamento do serviço de fornecimento de água com base na tarifa mínima, desde que o consumo seja inferior aos limites mínimos definidos para cada categoria de consumidores.
3. A Lei 6.528/78 não foi ab-rogada nem derrogada pela superveniência da Lei 8.987/95. Sua revogação somente ocorreu, expressamente, pela Lei 11.445/2007, que, contudo, não extinguiu a tarifa mínima, mas reafirmou sua utilização (art. 30).
4. Nos condomínios edilícios comerciais e/ou residenciais, onde o consumo total de água é medido por um único hidrômetro, a fornecedora não pode multiplicar o consumo mínimo pelo número de unidades autônomas, devendo ser observado, no faturamento do serviço, o volume real aferido.
5. O cálculo da CEDAE desconsidera a ratio legis subjacente à finalidade da tarifa mínima, instituída no escopo de se assegurar a viabilidade econômicofinanceira do sistema, e não para proporcionar lucros abusivos à custa dos usuários.
6. São direitos básicos do consumidor a proteção contra práticas abusivas no fornecimento de serviços e a efetiva prevenção/reparação de danos patrimoniais (CDC, art. 6º, IV e VI), sendo vedado ao fornecedor condicionar o fornecimento de serviço, sem justa causa, a limites quantitativos, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva, bem como elevar sem justa causa o preço de serviços (CDC, art. 39, I, V e X).
7. Os usuários têm direito ao serviço público adequado, assim entendido aquele que satisfaz aos condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (Lei nº 8.987/95, arts. 6º, § 1º, e 7º, I).
8. A remuneração pelo fornecimento de água e esgotamento sanitário não tem natureza jurídica tributária (taxa), mas constitui tarifa cujo valor deve guardar relação de proporcionalidade com o serviço efetivamente prestado, sob pena de enriquecimento sem causa.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, apenas para se determinar a restituição simples dos valores indevidamente recolhidos pela CEDAE, acrescidos de juros moratórios legais e correção monetária” (STJ, REsp. 655130/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. DENISE ARRUDA, julg. 02.05.2007).
Eis os motivos de votar por que se dê parcial provimento ao recurso, para declarar:
- (a) a ilegalidade da forma de cálculo adotada pela Concessionária no faturamento do serviço, que deverá ser realizado de acordo com o volume de consumo aferido pelo hidrômetro, sem multiplicação pelo número de economias;
- (b) a legalidade da cobrança pela tarifa progressiva. Em consequência, reconhece-se a sucumbência recíproca (CPC, art. 21, caput), rateadas as custas e compensados os honorários.Rio de Janeiro, 23 de junho de 2010.
Des. Jessé Torres
Relator